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terça-feira, 31 de maio de 2005

Minha relação com o cinema português



Desde que assisti ao último filme do Manoel de Oliveira, sobre o qual comentei no post anterior, venho tentando descobrir um jeito de manter-me a par da produção cinematográfica de além-mar. Tarefa difícil. A internet ajuda, no sentido de encontrar as fichas técnicas e demais informações, porém não faço idéia de como assistir aos filmes propriamente ditos. Então, só me resta esperar pela boa vontade dos programadores das salas e aguardar novas oportunidades.

Sempre me interessei pela cultura portuguesa. Sou curiosa por natureza. Mas admito que sofro de uma curiosidade quase doentia a respeito de tudo o que se refere às culturas que deram origem ao que chamamos cultura brasileira, na qual estou mergulhada. Entretanto, o que busco não é o que está nos livros de História. Tenho sede de troca, de intercâmbio. Daí a vontade de conhecer um pouco do que se faz, hoje, na "terrinha" e, também, nas ex-colônias. O pouco que conheço desse mundo lusófono extra-brasileiro, devo à minha formação em Letras, que me proporcionou o contato com autores como o português Saramago, o angolano Pepetela, a descoberta de uma língua galega e, já na pós-graduação, uma visão do Timor Leste.

Entretanto, meu primeiro contato com o cinema português só veio a acontecer em 98 (no Encontro com Portugal, ocorrido em Niterói), quando pude ver de perto várias vertentes da cultura portuguesa contemporânea. Naquela época, ainda estudante de Letras, lembro da sensação de descobrir um mundo todo novo, falado em português. Até então, meu contato com a produção cultural lusitana só tinha se dado através dos livros. Ouvir os sotaques na rua era delicioso! E o show do Madredeus na praia de Icaraí foi algo memorável...

Mas, voltando aos filmes... Infelizmente, já não lembro de quase nada, à exceção de um título, porque me fez rir na época. Ainda hoje acho graça. Chamava-se: “Mortinho por chegar a casa”. Não é ótimo? Trata-se de uma produção Portugal/Holanda de 96, realizada por Carlos Silva e George Sluizer. Não lembro dos detalhes, mas conta a história de um sujeito que morre no estrangeiro e vai assombrar a irmã para que ela o enterre em Portugal. E o filme é isso: uma comédia em que a mulher, sempre acompanhada pelo impaciente fantasma do irmão, tenta levar o corpo deste para ser enterrado na terra natal. Muito divertido, mas só quem pôde acompanhar a programação do evento, em Niterói, conseguiu assistir. Nunca mais ouvi falar.

segunda-feira, 30 de maio de 2005

E eu cumpri a promessa: fui ao cinema!



Como disse no no post anterior: decidi voltar a freqüentar cinemas. Sem pipoca, é claro (que senão engorda!). E, para isso, aproveitei a inauguração do Unibanco Arteplex, que fica pertinho da minha faculdade. Consultei a programação e lá fui eu, pretextando apenas conhecer o espaço. Era o primeiro dia aberto ao público, o saguão fervilhava de gente. A livraria, encantadora, estava abarrotada. Os vendedores pareciam assustados com tanto movimento e um deles chegou a me confessar que foram "pegos de surpresa". Parece que a loja abriu sem que eles estivessem prontos, não entendi bem o motivo.

Não resisti. Matei aula, consciente (e até com algum orgulho) para assistir a “Um filme falado”, de Manoel de Oliveira. Fantástico! Uma mulher e sua filha pequena partem num cruzeiro que atravessa o Mediterrâneo com destino é Bombaim, onde devem encontrar o marido/pai das duas. Rosa Maria (Leonor Silveira, linda!), a mãe, é professora de História da Universidade de Lisboa e vai mostrando à filha, a cada parada, o significado histórico dos locais que visitam. Aos poucos, a própria História da civilização ocidental vai sendo contada, da sua origem até os dias de hoje. E, através das perguntas desconcertantes - típicas da infância - feitas pela filha, Maria Joana (Filipa de Almeida, uma fofa...), a mãe se vê obrigada a tratar de assuntos por vezes delicados.

No navio em que viajam, o comandante (John Malkovich), americano de origem polaca, reúne em sua mesa de jantar três belas mulheres. Uma atriz e cantora grega (Irene Papas), uma ex-modelo italiana (Stepania Sandrelli) e uma bem-sucedida empresária francesa (Catherine Deneuve). Cada participante da mesa fala em sua própria língua e é entendido pelos demais, como numa Torre de Babel às avessas... Uma síntese do ideal que se propõe para a Comunidade Européia. Entretanto, o sentimento de "marginalidade" de Portugal em relação à Europa é nítido. Ao mesmo tempo em que louva uma visão eurocêntica de civilização, é justamente a língua portuguesa que não é compreendida pelos demais. A presença da professora à mesa do comandante faz com que todos recorram ao inglês, com seu status de língua ocidental. O fim, então, é emblemático! O filme é de uma simbologia fascinante e, embora o tom didático (da mãe que explica tudo, pacientemente, à filha) da narrativa incomode um pouco no princípio, vale a pena assistir. E debater a respeito.

domingo, 29 de maio de 2005

Do porquê tornei-me cinéfila


Dieta Cinematográfica

Decidi voltar a freqüentar cinemas. Há tempos esta não é minha principal opção de lazer. Acho os ingressos muito caros, as salas cheias e frias demais, a qualidade geral dos filmes me parece sofrível e, com o fim dos cinemas de rua (especialmente os da Tijuca, perto de casa), perdi o tesão. Detesto shoppings centers e é lá onde estão a maior parte dos cinemas, hoje em dia.

Entretanto, minha decisão ultrapassa essa questão. Estou disposta a freqüentar as salas de projeção independente de onde estejam. É claro que pretendo priorizar os bons e velhos (ou novos, como Arteplex!) cinemas de rua. Aliás, lamento muito que o Grupo Estação não tenha aberto um cinema na Tijuca, mas isso também é uma outra história... Como dizia, minha decisão de voltar à condição de cinéfila não tem nada a ver com isso. O verdadeiro motivo, embora possa parecer fútil a alguns, é o seguinte: voltei a fazer dieta.

Ora, raciocine comigo, eu adoro um boteco. Petiscos, cerveja gelada, uma boa conversa com amigos... É disso que eu gosto! Se tiver uma boa roda de samba ou de choro, então, encontrei o cenário perfeito. Em casa, gosto de ler. De escrever, também. E de ouvir música... Mas, voltando ao boteco, é o tipo de programa que devo evitar por uns meses. Pelo menos, se quiser levar a sério essa história de dieta. É calórico demais! E, por mais que me convença de que posso ficar só na coca light, francamente... Não é a mesma coisa. Portanto, ao cinema!

sábado, 28 de maio de 2005

Sobre os amigos...

E em defesa da patiologia!


Eu e meus amigos, Fárida e Rodrigo
(18 setembro de 2004)

Trabalhar e estudar é uma rotina bastante cansativa. Imagino quantos, como eu, cumprem essa dupla (quando não, tripla...) jornada. O sujeito passa o dia inteiro no trabalho – em geral, as 8h de praxe – e aproveita seu tempo livre para estudar. Há aqueles que têm casa e família para cuidar. E outros que ainda conseguem reservar um horário para a prática de exercícios físicos. Isso para não falar de algo comum a todos: a manutenção do que chamamos vida social, indispensável. Não é para qualquer um.

É claro que ninguém dá conta de tudo isso simultaneamente. Um dia, é o trabalho que vence. No outro, a faculdade ganha destaque. O mesmo acontece com a casa, a família, o barzinho, o cinema no fim-de-semana... É mais ou menos como na música do Chico Buarque: "a gente vai levando". Ou, ainda não havia pensado nisso, vai ver a tal campanha do governo faz algum sentido, afinal, porque "a gente é brasileiro e não desiste nunca". Será!?

Confesso que sinto prazer em estudar. Quando me perguntam por que desejo um novo diploma, sou capaz de enumerar uma série de motivos. Mas, logo em seguida, acho todos superficiais e chego a pensar que não justificam nada: assistir às aulas pode ser muito interessante, mas não é assim tão fundamental. O mesmo com relação às leituras pedidas, pois o que torna um curso proveitoso são as trocas que ele proporciona. E estas não podem ficar restritas à transmissão de conhecimento unilateral que se dá entre professor e aluno! Uma relação ensino-aprendizagem saudável se dá através de questionamentos, debates. Inclusive, informalmente, entre os próprios estudantes, longe da figura do professor.

Penso que uma boa faculdade não se faz só em sala de aula, é preciso ir além. No caso da Facha, que é onde eu estudo, são componentes curriculares importantíssimos: o pátio (daí a patiologia do subtítulo), os corredores, o Leo, a Farani... A faculdade é, para mim, o espaço onde me reciclo, aprofundo amizades e faço novos amigos. É por isso que me despenco de Niterói, todas as noites, até Botafogo. Graças à Facha, conheci o Rodrigo, a Fárida, a Isabela, o Rafael e tantos outros. São eles que me fazem companhia e tornam divertidos os intervalos entre as aulas. Além disso, a volta para casa, certamente, seria bastante penosa sem os meus amigos tijucanos. Que a marajó velha de guerra segure o tranco!

quarta-feira, 25 de maio de 2005

Somos uns acomodados...

Desde cedo, chovia sobre o Rio de Janeiro. Domingo perdido, de poucas opções de lazer. Passei o dia em casa, estudando. Uma chatice o trabalho de psicologia pedido pelo meu professor... Puro tédio. Aproveitei para arrumar umas gavetas e prateleiras, apenas. Mas, como sempre, fiquei com a sensação de que não consegui organizar nada. Decididamente, faxina não é o meu forte.

Já era noite quando lembrei de abastecer o carro. Dirijo uma marajó movida a gás e já estava na reserva. No dia seguinte, não teria tempo de parar no posto antes de ir para o trabalho... Não tinha jeito, teria de enfrentar a chuva. Preguiça, preguiça, muita preguiça. Mas tomei coragem, peguei o carro e lá fui eu para São Cristóvão. Desde que fiz a conversão para o GNV, abasteço naquele posto BR que tem na Quinta da Boa Vista. Bom serviço e preço em conta.

Gosto de São Cristóvão. É um bairro que ainda guarda ares de nobreza, da época do Brasil Império. É arborizado e fica perto do Centro. Tem tudo para ser um bairro agradável, não fosse o completo abandono em que se encontra. A começar pela parte histórica. É notório que o Museu Imperial, por exemplo, há anos, sofre com a má conservação. E o mesmo acontece com todo o resto: o Zoológico, a própria Quinta, o Museu de Astronomia, a Casa da Marquesa de Santos... Enfim, a cada dia é um pedaço de História que se perde.

Além disso, é triste ver tanta sujeira pelas ruas mal iluminadas. E dói, também, ver as prostitutas que circulam pelas imediações da Quinta... Sob a garoa que caía naquele domingo, eu a vi. Ela era gorda e estava ali, bem perto do posto. Sua roupa, cheia de paetês e lantejoulas, chamava a atenção. Usava maquiagem forte e o cabelo solto, no melhor estilo femme fatale. Mas a rua estava vazia e, de repente, me dei conta de que, dificilmente, ela conseguiria clientes naquela noite. Já não era bonita... Continuei a observá-la e vi que espirrava. Pegou um lenço na bolsa, assoou o nariz. Foi então que ela olhou em minha direção e pude ver seu rosto de frente. Não senti pena, mas um misto de solidariedade e admiração. Literalmente, uma puta guerreira!

terça-feira, 24 de maio de 2005

Se é assim, que venha o próximo 23 de abril

Nem parece a mesma rua. O cheiro de cocô de cachorro, misturado ao do esgoto que vaza dos bueiros, entope as narinas e causa náuseas. Em dias de chuva forte, a situação é ainda pior, porque a rua enche e obriga os pedestres a andar com a água pelos tornozelos. Difícil acreditar que esta é a mesma rua que se enfeita, todos os anos, para a festa de São Jorge, quando predomina o cheiro adocicado da cocada feita na hora. Esse é o descaso em que se encontra a rua dr. Alcides Figueiredo, em Niterói, pelo resto do ano.

Passada a festa, a vida segue seu curso normal. É de manhã. As crianças vão para a escolinha. As donas de casa varrem as calçadas, jogando água aos pés de quem passa. O botequim da esquina recebe seus primeiros fregueses, que bebem e jogam totó ou bilhar. Na outra extremidade da rua, as lojas de automóveis abrem suas portas e começam a ocupar as calçadas com os carros à venda. O culto da igreja evangélica começa com sua cantoria, enquanto não há nem sinal de movimento na igreja de São Jorge. Os mais inquietos são os flanelinhas, que caminham de um lado para o outro, à espera de alguém que queira estacionar por ali.

Os pedestres, sonolentos, seguem – em sua maioria – para o trabalho e nem notam que a vida fervilha ao seu redor. Não vêem a árvore florida que lhes dá passagem, caindo em arco sobre o muro. Também não ligam para os gatos gordos que tomam seu banho de sol matinal e que, alheios a tudo, se espreguiçam com vontade. Não sei se por sono ou se é porque, simplesmente, não podem prestar atenção a nada disso. Afinal, quem anda por aquelas calçadas precisa ter os olhos bem atentos ao chão, tendo o cuidado de ver onde pisa. Além disso, o cheiro nauseabundo de hoje faz com que a gente prenda a respiração e apresse o passo, torcendo para virar logo a esquina. Difícil despertar assim.

segunda-feira, 23 de maio de 2005

Por um dia de sol que ilumine a baía

Inspirada pelos comentários da galera que lê o Conexão Irajá, passei a semana sonhando com uma ida ao Mercado de Peixes São Pedro (Niterói) no fim-de-semana. Há anos, ouço contarem de como é maravilhoso escolher, fresquinho, o peixe que se deseja comer e vê-lo ser preparado lá mesmo, na hora. Tudo isso acompanhado de um bom papo e uma cerveja estupidamente gelada, é claro.

Entretanto, não foi dessa vez que consegui realizar meu desejo de conhecer o famoso mercado. Como todos os fins-de-semana de maio, o último foi repleto de comemorações de aniversário. Foram três ao todo. E, no sábado à noite, já nem lembrava mais do tal mercado. Além do mais, o tempo esfriou e pensei ser melhor aguardar um belo dia de sol. Já estava conformada.

Na manhã de domingo, enrolada nas cobertas, aproveitava o friozinho para ler o 1984 (aquele mesmo, do George Orwell), recém-comprado. Como disse, não pensava mais no assunto. O telefone tocou e, na medida do possível, corri (isso é força de expressão!) para atender. Era meu amigo Reinaldo, com quem não falo há séculos. Mal respondeu ao meu alô, o Rei já largou a pergunta:

— E então, Bia, quer ir ao Mercado dos Peixes de Niterói?

Fiquei verdadeiramente surpresa, porém não pude aceitar. No entanto, fiz com que ele me prometesse que iria comigo em um outro fim-de-semana. Que venha o sol...

quinta-feira, 19 de maio de 2005

Sob protesto!

Os metalúrgicos de ontem, hoje são mais numerosos. Fecharam a rua. O carro de som desfila pelo Centro de Niterói, comunicando suas exigências. Por isso, achei cabível copiar o arremedo de poema que segue abaixo. Mais uma vez, peço perdão a quem já o conhece...

Segunda-feira.
O sol brilha e anuncia
um belo dia:
quente, efervescente,
de suar em bicas.

Os trabalhadores
despertos
sequer olham o céu
e rumam cinzentos,
idênticos e apáticos,
como sempre.

Caminham
no mesmo ritmo,
contando as horas
que os separam
da liberdade lá fora.

Ao fim da jornada,
exaustos,
o sol há muito já era.
Resta apenas a lua,
a noite,
a espera.

Passa a terça,
a quarta, a quinta...
E só quando vier
a sexta-feira,
o trabalhador olhará
para o céu do amanhã
de outra maneira.

***

Uma homenagem a todos
os trabalhadores brasileiros
e do mundo inteiro
que, como eu,
mal podem esperar
para viver intensamente
mais um sábado
e um domingo.

***

Deixei de ser gente,
passei a ser coisa.
Sou gado marcado
a ferro e a fogo
por meu patrão.

Não sou indiví­duo,
não tenho vontade,
sou funcionária,
uso uniforme
e bato o cartão.

Exijo respeito,
mas de que jeito?
Sou operária,
sou nada,
sou máquina.

(30 de abril de 2004)

Publicado no Multiply, em 29 de outubro de 2004.

quarta-feira, 18 de maio de 2005

Trabalhadores em greve, sempre que preciso!

Fico emocionada sempre que vejo trabalhadores reunidos em torno de um carro de som. Há dias, a caminho do trabalho, passo pela porta de um sindicato e percebo uma movimentação diferente. O carro de som chega, estaciona de modo a não bloquear a passagem dos carros e, pouco a pouco, mais e mais trabalhadores aparecem, como que por geração espontânea. A cada dia que passa tem sido mais difícil me desvencilhar de tanta gente. As calçadas ficam abarrotadas.

Pela primeira vez, vi alguém falando lá de cima. Geralmente, passo mais cedo, e só vejo a movimentação inicial. Dessa vez, pude ver as pessoas atentas ao que é dito ao microfone. No momento em que eu passava, faziam uma comparação entre os dias de hoje e a ditadura. Pelo que entendi, algo a ver com uma manifestação nos estaleiros de Niterói duramente reprimida pela polícia. Tal como ocorria nos “anos de chumbo”, utilizando as mesmas táticas de repressão. Algo injustificável, ainda mais nos dias de hoje, já que a greve é um direito dos trabalhadores. Direito conquistado com muita luta e muito sangue, mas que não é respeitado pelos patrões e, menos ainda, pela polícia.

Minha vontade foi parar ali no meio da massa para tentar compreender melhor, mas eu já estava atrasada. Gostei do pouco que ouvi, me pareceu uma fala bastante lúcida. Entretanto, não sei se pelo horário matutino, achei as pessoas quietas demais. Já entrando no prédio, o microfone mudou de mãos. Uma voz preocupada disse, então, com a concordância que caracteriza a modalidade popular de nossa língua: “A gente temos um problema, parece que a gente ainda não conseguimos uma resposta...” Peguei o elevador, feliz por saber que o povo ainda não abriu mão de falar. Subi, ouvindo os ecos dos trabalhadores na rua. Espero vê-los, quando sair. Que eles ainda estejam lá e eu os encontre mais descontraídos, como tem sido todas as noites. Sentados pelas calçadas, conversando e ouvindo as músicas que saem do carro de som. Simplesmente isso: ostensivamente existindo para quem passa.

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Cumplicidade Automotiva

Aos que já conhecem o texto abaixo, perdão pelo repeteco...

Dirijo um carro 89. Uma marajó verde clarinha, que minha mãe comprou zerada num consórcio. Na época, ela quase não usava carro, porque trabalhava no Centro do Rio e não tinha onde estacionar. Quando queria ir a algum lugar perto, acabava optando por usar o fusquinha (sim, nós ainda tí­nhamos um!) ou saíamos no chevette do meu pai.

A marajó, por ser um carro grande, ficava guardada na garagem. Só era usada pra irmos ao sí­tio (ou para outros passeios mais longos). E assim foi, durante muito tempo, até minha mãe se desfazer do fusca. Mas ela acabou não usando muito a marajó, pois esta já estava "velha" (a marajó, é bom frisar...). E minha mãe acabou comprando outro carro assim que pôde. A marajó continuou na garagem.

Quando tirei minha carteira, a marajó estava designada para mim. Mas eu tinha medo e só comecei a dirigir, mesmo, aos 20 anos... Mais ou menos na época em que comecei a namorar o Flávio, que não dirige. Desde então, quase não saio sem carro. Adoro a marajó. Ela é espaçosa, fácil de dirigir, tem motor 1.6, a manutenção não é nenhuma fortuna e, o melhor de tudo: funciona a gás! Desde que instalei o GNV, acabou-se o problema de consumir gasolina demais! Isso já tem bem mais de 1 ano.

O engraçado é que eu fico procurando outras marajós na rua. Acho que isso é mania de quem dirige carro velho: ficar procurando carros "gêmeos" (ou quase). Eu sempre vejo uma ou outra. Mas há anos passo por uma idêntica, na rua Haddock Lobo. Sempre que olho pra ela, acho que é a minha. E isso mesmo que eu esteja dirigindo a própria! É uma loucura...

Já tinha visto o dono outras vezes, de passagem. Mas imagino que ele nunca tinha me visto. Até hoje. Parando no sinal, vejo a marajó estacionada. Parei bem em frente e vi o motorista saindo... Fico ali, olhando, paralisada. Ele saiu, olhou pro meu carro e, por um momento, tenho a impressão de que ele passou pela mesma confusão que a visão do carro dele me causa. Ele virou o olhar para seu próprio carro em seguida, eu sorri e fui embora. O sinal tinha acabado de abrir.

quinta-feira, 12 de maio de 2005

Ler em um café do Centro

Uma tentativa de ser cosmopolita

Dia desses, aproveitando o meu horário de almoço, entrei em um café para ler. O ambiente é charmoso e bastante tranqüilo. O atendimento é simpático, o que compensa os preços um pouco salgados. Para alguém como eu, sem tempo disponível para ler por prazer, é um verdadeiro achado. Para ser melhor, só se tivesse um sofá bem confortável. Mas, na falta, serve a mesinha de madeira mesmo. O lugar chama-se Cafeteria Ignon (é um cybercafé) e fica na esquina da Visconde de Sepetiba com a São Pedro, no Centro de Niterói.

Pedi uma minitorta alemã (deliciosa!) e uma coca (light, é claro). Tomei posse da mesinha do canto, onde sentei de frente para a porta. Saquei o livro da bolsa e comecei a folheá-lo. Entre garfadas de torta, lia uma ou duas páginas. Terminei o doce, tomei o último gole de coca-cola, acabei o parágrafo e saí. Foi uma boa experiência. Não via a hora de voltar. Sempre achei o máximo do cosmopolitismo essa história de ler em cafés.

Ontem, decidi repetir o ritual. Afinal, há meses tento ler o “Vigiar e Punir”, do Foucault. Mas esse é o tipo de leitura que não permite dispersões. É preciso ter atenção, para compreender “a história da violência nas prisões” contada pelo autor. O problema é que tenho prova sobre o livro na semana que vem e gostaria de terminar a leitura... E, se possível, ler os dois livrinhos de Freud que também foram pedidos pelo meu professor de Comunicação Comparada. Maldita falta de tempo!

Entrei no café. Pedi uma minitorta (dessa vez a suíça, também deliciosa!) e minha coca light. Escolhi a mesma mesa. Sentei. Tirei o livro da bolsa e... A dona, muito simpática, veio me trazer o que pedi. Não resistiu e perguntou:

— Você é espírita?

Estranhei um pouco a pergunta, mas respondi:

— Não.

— Mas esse livro é espírita, não é? — Ela prosseguiu.

E eu, implacável, respondi apenas:

— Não.

Não sei qual o tom da minha última resposta, mas tenho medo de ter soado grosseira. Não era a intenção. O fato é que, naquele momento, além de estar em busca de paz e não querer conversar com ninguém, eu não podia imaginar que alguém não conhecesse Foucault. Sei que é um raciocínio pedante, elitista, mas não pude evitar. Assim como também não consegui parar de pensar a respeito disso. Minha leitura, então, foi bem pouco produtiva.

quarta-feira, 11 de maio de 2005

Sobre a Cartilha do Politicamente Correto

Atendendo a pedidos...

Vivemos hoje a praga do “politicamente correto”, uma autêntica ditadura. Somos constantemente monitorados com relação ao que dizer e a como agir. Não podemos ter preconceito, porque não é de “bom tom” e – pior! – podemos até ser multados por isso. Entretanto, a hipocrisia continua. Somos todos preconceituosos, lobos em pele de cordeiros.

Alcoólatras, hoje, são alcoólicos. Homossexuais batalham para ser homoafetivos. Velhos são idosos e os deficientes são portadores de necessidades especiais. Puro eufemismo. Porque as conotações que atribuímos a cada palavra partem de nós mesmos. Deixar de empregar um vocábulo em detrimento de outro, “limpo” dessa carga ideológica, não muda o que pensamos a respeito de nada. É uma questão de tempo para que a palavra eleita como “correta” passe a ter o mesmo sentido pejorativo que julgávamos ter a anterior. Por isso, uma cartilha como a do governo é fadada ao fracasso.

Para o escritor João Ubaldo Ribeiro, uma iniciativa como esta não passa de um “delírio autoritário” (leiam no Observatório da Imprensa). E ele tem razão: esta é uma camisa-de-força inútil. Nossa língua está viva e sofre constantes adaptações. Uma das melhores maneiras de se derrubar tabus é falar sobre eles. Hoje em dia, por exemplo, há uma banalização dos chamados palavrões. E nem sempre eles são empregados de maneira ofensiva! Há quem os utilize de maneira carinhosa, até. Para muitos, “porra” é vírgula e “caralho” é interjeição. “Puta”, então, é advérbio. Ora, palavras como “chato” e “legal” também representam bem essa mobilidade lingüística. Até bem pouco tempo atrás, a primeira era considerada de baixo calão e referia-se ao terrível bichinho que grudava nos pêlos pubianos. A segunda, por sua vez, dizia respeito apenas à legislação... Somos criativos ou não somos!?


P.S.: A tal cartilha desagradou a todos mesmo. O presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Ivan Junqueira, fez coro com João Ubaldo Ribeiro e aproveitou para atacar a polêmica publicação do governo na cerimônia de abertura da 12ª Bienal Internacional do Livro, no Riocentro. Leia mais no site especial da Bienal do Livro, no Globonline.

sábado, 7 de maio de 2005

Uma esquina anacrônica

No Centro de Niterói, há um camelódromo que se esparrama por várias ruas. As grandes lojas, aquelas tradicionais, já não existem mais por ali. Fecharam as portas por causa da crise... Resta ao niteroiense, então, fazer suas compras nos camelôs ou nas poucas lojas que restaram. Caso não encontre o que procura, pode recorrer ao comércio da Moreira César, em Icaraí, ou atravessar a baía em direção ao Rio.

Foi na esquina da rua Visconde de Uruguai com a Coronel Gomes Machado que eu os vi. Não tive como não notá-los, pois o contraste era imenso. Em meio a toda aquela parafernália moderna e multicolorida que se vende nas barracas dos camelôs, estava um casal de velhos. De porte elegante, vestiam roupas de passeio surradas. Ele, um terno marrom que há muito perdera a validade e um chapéu. Ela, saia preta e blusa de babados rosa, bastante desbotada. Não deviam ter muitas opções no guarda-roupa.

Era meu horário de almoço e eu passei apressada. Além das roupas, notei que ele trazia um enorme guarda-chuva em uma das mãos. Ela estava com o cabelo penteado e bastante maquiada. Pareciam estar esperando alguém ali na esquina. Busquei ser discreta e não olhar muito, mas aquela visão anacrônica era impressionante. Fiz meia-volta e, quase correndo por entre as inúmeras barraquinhas de camelôs, tentei vê-los mais uma vez. Por quem esperavam? Por que estavam vestidos daquele jeito? Pensava em alguma estratégia para puxar assunto com eles... Porém, infelizmente, não os vi mais.

terça-feira, 3 de maio de 2005

Timor Leste: um país ignorado pela mídia

Hoje, em era de suposta democracia, seria de se esperar que tivéssemos acesso a todo e qualquer tipo de informação, sem restrições de ordem moral ou política. Afinal, já não vivemos mais em uma ditadura, já há a dita liberdade de imprensa e a globalização deveria promover uma maior integração entre os povos espalhados pelo mundo. Mais ainda: em busca de um fortalecimento cultural e mesmo econômico, os países de língua portuguesa deveriam estar em busca de uma aproximação cada vez maior. Deveria ser corriqueiro, por exemplo, sabermos o que acontece em Portugal ou Angola, tanto quanto o que acontece por aqui.

No entanto, basta passar os olhos pelos principais jornais e revistas brasileiros para ver que nada disso se verifica. Mal sabemos de Portugal, que dirá dos outros países... Aliás, pensando bem, mal sabemos de nós mesmos, já que nossos jornais vivem de repetir as matérias de todas as agências internacionais de notícias. Apenas repetimos o que é noticiado pelo mundo afora. Não temos acesso às notícias portuguesas, nem às angolanas e... menos ainda, às timorenses.

Tudo que chegou ao Brasil, nesses últimos 27 anos, a respeito do Timor Leste são ecos de uma independência, boatos a respeito de um massacre. Descontemos desses anos o período em que vivemos sob a ditadura militar, quando as notícias realmente eram filtradas antes de chegar aqui. O que se ouviu falar sobre o Timor desde então? Aliás, sejamos muito francos, quantos sabiam sequer que existia uma ex-colônia portuguesa do tamanho do nosso estado de Sergipe, ocupando metade de uma ilha entre a Indonésia e a Austrália? Quantos, então, sabiam que essa mesma colônia, vinha sofrendo com a dominação indonésia desde 1975?

A verdade é que só viemos a “saber” alguma coisa por volta de 1996. Foi nesse ano que o Timor conseguiu chamar a atenção (chamou mesmo?) do resto do mundo, revoltando-se de forma quase suicida contra a opressão. Um terço da população morreu em combate, em todos esses anos. A língua portuguesa foi praticamente desaprendida (proibida de ser falada sob pena de morte). O país foi praticamente destruído. E só agora a independência foi conquistada. Onde nós estivemos durante todo esse tempo?

Vale lembrar que essa história começou com a Revolução dos Cravos, em 1974, em Portugal, que libertou todas as colônias portuguesas ainda existentes. Inclusive o Timor. Porém, se Portugal, durante o período de colonização, pouco interferiu na organização política timorense, não seria depois de já ter libertado a colônia que iria realmente intervir. Então, o Timor ficou entregue ao seu destino. Afinal, na Indonésia, vigorava a ditadura de Suharto, que era patrocinada pelos Estados Unidos, assim como as ditaduras da América Latina, no mesmo período.

No entanto, o fim de nossa ditadura militar não fez com que soubéssemos o que acontecia do outro lado do mundo. O primeiro contato que tivemos com o problema timorense deu-se graças à internet, com correntes de e-mail falando a respeito do massacre. E o pior: era uma notícia tão absurda que muita gente nem leu o que estava escrito, acreditando ser apenas mais um boato. Nos jornais mesmo, nas revistas, pouco apareceu. Mesmo após a independência. Apesar de ter sido um dos últimos países por se decidir a ajudar, o Brasil tem sido um grande incentivador para a reconstrução do país. Apesar de não falar português há 20 anos, o Timor optou por ser um país lusófono. Para isso, conta com o apoio do governo brasileiro, que enviou para lá professores de português. Nossas novelas e músicas já começam a ser vistas e ouvidas pelo povo timorense.

No Brasil, a principal fonte de referência a respeito da situação timorense é o documentário Timor Lorosae – o massacre que o mundo não viu, dirigido por Lucélia Santos. Entretanto, mesmo este filme já não é muito atual. Desde o seu lançamento, em 2002, pouco se falou sobre o Timor Leste na mídia mundial. Menos ainda em âmbito nacional. É chocante pensar que algo com a grandiosidade do que aconteceu no Timor possa ter acontecido sem ser divulgado, sem que o mundo soubesse ou se importasse. Mas, pior ainda, é imaginar que essa situação continua a se repetir, não só em outros contextos, mas no próprio Timor, cuja reconstrução não vem sendo devidamente noticiada para o mundo.

De que adianta ficarmos orgulhosos de nossa tecnologia – que permite o acesso imediato a fatos ocorridos em todos os cantos do mundo – se hoje ainda é possível ocorrer uma falha tão gritante de comunicação? Por que a revolta no Timor não foi noticiada? Por que os outros países, que teriam condições de intervir, não fizeram quase nada? A verdade é que o Timor continua esquecido, assim como várias outras revoluções, revoltas e massacres que nossa mídia esconde de nós. Mais uma prova de que a tão propalada globalização é uma farsa e serve, apenas, para reproduzir um sistema de dominação e opressão.