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sábado, 12 de novembro de 2022

O dia em que fui buscar um livro no sebo

Fui finalmente até o sebo resgatar o meu exemplar usado de A república dos sonhos. Saí de casa de blusa de manga comprida e calça porque o Climatempo jurou que ia chover o dia inteiro. Tá um sol dos infernos e fui eu a pé até o sebo. 

Chego lá, descubro que existem dois sebos (e eu poderia gastar um tempo falando do gato sialata desmaiado sobre os CDs da entrada, mas deixei ele quieto): um em cima e outro embaixo. Subo pro sebo certo. No caminho, vejo um exemplar de 2666, do Roberto Bolaño, mas não paro para ver. Subo. 

Duas mulheres estão na recepção do sebo, que virou um salão de beleza (mas a beleza é questionável). Inúmeros apliques de cabelo espalhados sobre a mesa, que uma está acho que tirando da cabeça da outra. Peço o livro, não aceitam cartão, só dinheiro, não tenho dinheiro, não aceitam pix, ando até o Itaú mais próximo, no meio do Saara. 

Banco vazio, ô sorte, só que não, caixas com notas de 50 ou 100 reais. E a moça lá do sebo avisou que era pra levar trocado que ela não ia ter troco. Entro na fila dos caixas, duas pessoas na minha frente, não faço ideia de quanto tempo esperei, pareceu uma eternidade, mas consegui sacar. 

Voltei. Reservei o Bolaño, que também custava 25 reais, e subi pra buscar o da Nélida. Espero que seja bom mesmo, depois disso tudo. O do Bolaño, no sebo de baixo, consegui comprar no cartão. De crédito. Na saída do sebo, fiz carinho no gato, que nem abriu os olhos para me ver. 

Ao invés de encarar o caminho de volta até o trabalho, paguei feliz uma passagem de VLT até a Central, comecei a folhear os livros, e li o início da República... E, bem, talvez nem seja tudo isso, mas já me ganhou na primeira frase: “Eulália começou a morrer na terça-feira” (e era uma terça!). Vim pensando no peso extra que carregaria para casa no metrô. Enfim, perdoem a crônica, mas eu precisava desabafar. 

Curiosidade: Bolaño não considerava Nélida uma boa escritora; Nélida o considera um sujeito desagradável (e provavelmente era mesmo). Quanto a mim, penso que nem sempre dá para separar sujeito e obra, porque muitas vezes a obra reproduz todos os defeitos do próprio autor. No entanto, algumas vezes, a obra é o que aquela pessoa tem de bom a oferecer. Então, vamos às obras. 


Nélida e Bolaño de costas para o Campo de Santana.


P.S.: Reativei o blog, mais de 10 anos depois, mas ainda não sei com que frequência escreverei aqui.


segunda-feira, 30 de julho de 2012

A vizinha, o coelho e a pipoca

Não moro em prédio. E acho super estranho o costume que as pessoas têm de cumprimentarem desconhecidos nos elevadores, nas filas, nos pontos de ônibus. Sou péssima nessa história de desejar “bom dia” para estranhos, mas sigo tentando, embora confesse que, na maior parte das vezes, meu cumprimento deva soar ininteligível, um mero grunhido. Afinal, para piorar tudo, sou tímida e sinto uma quase inveja dos despudorados que saem por aí desejando bons dias, boas tardes e boas noites a quem quer que seja. Bem, tudo isso é para tentar justificar o que muitos entendem como falta de educação.

Já melhorei bastante. Hoje, sou capaz de responder claramente ao cumprimento recebido. Se me desejam bom dia, desejo de volta. E, no trabalho, eu já falo com os ascensoristas com alguma tranquilidade... Bem, depois de mais de dois anos de trabalho, não posso considerá-los desconhecidos (mas estranhos eles são, sério!). Dou bom dia, sorrio e torço (se fosse religiosa, rezava) para não puxarem assunto comigo. É que ainda acho as conversas de elevador super constrangedoras...

Por conta desta minha tentativa de aprimorar minhas práticas sociais, há alguns anos, passei a cumprimentar uma vizinha que sempre via quando estava a caminho do ponto de ônibus. Isso fez com que, em algum momento, ela se sentisse à vontade para puxar conversa, obviamente. O pior é que, desde que a vi pela primeira vez, achei-a esquisita, com cara de maluca mesmo. A filha dela, então, me parecia um monstrinho... E o marido, ah!, esse até hoje me assusta... Psicopata define. Dos três é quem mais vejo, passeando com os cachorros, mas ele não fala comigo (yeah!).

Então, ela se apresentou (e eu não lembro o nome dela, nem de nada do que ela falou sobre si) e me perguntou uma série de coisas... Estar com ela, embora por breves momentos, sempre suscita interrogatórios ou diálogos bizarros. Como no dia em que ela me perguntou sobre meu marido e quase me abraçou quando contei que ele havia morrido. Eu nem sabia que ela sabia que eu era casada! Foi um dos momentos em que mais tive medo, sinceramente. Imagina se ela me abraça? Ai... Terror, pânico, desespero!

Teve uma noite dessas em que eu estava em casa sozinha, acho que chovia (não sei se realmente chovia ou se apenas a chuva me parece apropriada para a situação), já era razoavelmente tarde... E tocou a campainha. Não esperava ninguém e atendi meio desconfiada. Talvez fosse o vigia para me avisar que a gata estava presa em algum lugar... A rua estava escura, não dava para ver direito quem estava no portão. Então, ela falou:

 Beatriz, sou eu! Fulana! (ela falou o nome, mas eu realmente não lembro...)

Enquanto eu tentava me recobrar do susto, ela continuou:

 Será que você não quer um coelho? Olha que bonitinho (apontando para uma bola de pelo de aspecto indecifrável)... É que eu ganhei e não vou poder ficar! Lembrei de você, porque sei que você gosta de bicho...

Claro que eu disse que não, expliquei que as cachorras comeriam o coelho, mas estava tão espantada que mal conseguia falar. Fiquei com medo de que ela deixasse o tal coelho na caixa de correio ou algo assim... Mas ela entendeu e se foi, decepcionada.

Depois disso, fiquei um tempo sem vê-la. Até porque mudei de ponto de ônibus e quase não passo na porta da casa dela. Entretanto, há poucas semanas, estava eu em casa num dia de semana quando a ouvi perguntar à empregada se ela não podia fazer pipoca para ela no meu micro-ondas. É isso mesmo! Pipoca, micro-ondas. Esperta, a Nena se esquivou dizendo que não sabia mexer no aparelho e que eu não estava. Fiquei bem escondida e ela foi embora.

À noite, porém, estava eu trabalhando distraída na sala, perto da janela, quando ouço me chamarem da rua... Era ela, de novo! E com o pacote de pipoca! Gelei... Ela me perguntou se eu não podia fazer a pipoca pra ela e na minha cabeça só ecoava a voz da Nena dizendo que era abuso, que era melhor dar uma desculpa qualquer para não criar costume... Mas eu não podia dizer que não sabia mexer, né?

Bem, pedi a ela para abrir o portão, peguei o pacote, fiz a pipoca e fui até o portão para devolver. Ela me perguntou se eu não trancava o portão de fora, se as cachorras não mordiam, se eu não tinha medo de morar ali sozinha... Ficou parecendo assaltante sondando o terreno. Mais uma vez, senti medo. Espero que isso não vire um hábito. A casa ficou cheirando enjoativamente a manteiga por horas, porque a pipoca era uma tal "de cinema". Talvez da próxima vez eu diga que o micro-ondas quebrou.

Bicudinha e Balu protestam:
"Queremos um ooelho para brincar!"

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A senhorinha e o embrulho


Agradeço a Nayce Ribeiro, Patricia Sotello e Marcelo Bastos, sem os quais essa história não teria sequer começado e, brincando, me fizeram continuá-la. ;-)

A senhorinha entrou no ônibus, (sobre)carregada de bolsas, guarda-chuva e um enorme, gigante, grande mesmo, embrulho. Teve dificuldades em encontrar a bolsinha com o Riocard, mas passou pela roleta, espetando a um e outro com o tal embrulho, que era fino e comprido. Procurou não atrapalhar ninguém, não atravancar a passagem, mas o fato é que não havia como não chamar a atenção carregando um embrulho daquele porte.

Sentou-se ao lado de um rapaz que, até então, mantivera-se alheio à movimentação da idosa e do embrulho. Chegou bem para o canto e procurou não olhar mais, porque lhe parecia indelicado olhar tanto, mas a verdade é que acabava espichando o olho vez ou outra. Seu maior medo era que a senhorinha notasse sua curiosidade e decidisse entabular conversa. Afinal, velho fala pelos cotovelos... E foi nisso que o ônibus freou bruscamente.

Nada grave: o motorista trocou meia dúzia de xingamentos com um pedestre imprudente e a viagem prosseguiu tranquilamente. Tranquilamente? Com a freada e sem que a velhinha percebesse, o embrulho rasgou e deixou à mostra um pedaço do que estava lá dentro. Alguns riram da situação, mas ninguém pareceu se dar conta do que era aquilo. Exceto o rapaz, um praticante de kung fu, que identificou claramente a existência de inscrições em chinês no que parecia ser o cabo de uma espada chinesa milenar, coisa que até então ele só tinha visto em livros. O que faria ali? E, ainda por cima, nas mãos de uma senhora de aparência tão frágil...

Neste momento, a senhorinha – ainda alheia a tudo – deu-se conta, estupefata, de que carregava uma espada milenar, com misteriosas inscrições em chinês no cabo, e que estava à mostra para todos os passageiros do ônibus. Ela, que sofria de Alzheimer, não fazia ideia de como havia chegado a tal situação: ela, uma vovozinha clássica, de coque e anáguas, a personificação da Dona Benta de Monteiro Lobato ou da vovó da Chapeuzinho Vermelho, ali, carregando uma bolsa com seu tricô em uma das mãos e aquela espada na outra... 

Ficou genuinamente confusa e decidiu descer no próximo ponto. Atrapalhou-se toda com suas sacolas e a espada, cada vez mais à mostra, o que causou um misto de terror e curiosidade entre os passageiros. O rapaz ao seu lado, vendo o que se passava, decidiu oferecer ajuda, mas isso apenas a assustou ainda mais. Ela desceu em carreira desabalada assim que o ônibus abriu a porta, deixando cair um cartão da loja Rei das Facas, no centro da cidade. Correu em direção à rodoviária.

O rapaz, de posse do cartão, rodava-o entre os dedos e conjecturava distraidamente quem seria aquela senhora e o que ela fazia com aquela espada. Aquilo certamente renderia uma boa história... A revista em que trabalhava estava à beira da falência e talvez aquela fosse uma boa oportunidade de reverter a situação. Que matéria fantástica aquilo poderia render! Capa! Tão absorto estava que não notou em momento algum os olhares furtivos do trocador do ônibus em sua direção. Achou curioso que uma espada como aquela pudesse ser comprada, ainda que numa boa cutelaria. Aquilo era artigo de antiquário, de museu... Algo estava errado.

O rapaz, que agora sabemos ser um jornalista sem muitas perspectivas profissionais (infelizmente como a maioria, aliás), nem deu pela aproximação do trocador, que esbarrou nele fazendo com que o cartão caísse de suas mãos. Neste momento, cabe aqui dizer que o trocador era um senhor de olhos puxados (provavelmente chinês, mas a gente nunca tem certeza dessas coisas) e que havia reconhecido a espada. Obviamente, sabia o que estava escrito ali. Sabia de cor cada inscrição ali gravada, ele, um aprendiz de kung fu, recolhido pelos monges do Templo Shaolin em tão tenra idade. Sim, ele sabia quem era aquela senhorinha, só não podia acreditar que ela ainda estivesse viva. E ter em suas mãos aquele cartão era sua única chance de reencontrá-la. Feito isso, talvez conseguisse reaver a espada e, assim, voltar para a China como herói. 

Teve sorte ao pegar o cartão antes que o rapaz, o que lhe deu oportunidade de ler não apenas o endereço do Rei das Facas, mas o nome do vendedor anotado à mão e outro nome, em chinês, no verso. Era a pista de que precisava. Por isso, não hesitou ao devolver o cartão ao jornalista, que começava a achar bem estranho que o trocador de olhos puxados estivesse fora de seu lugar e lendo tão interessado o cartão que a senhorinha havia deixado cair. Seu instinto lhe gritava que ali tinha coisa... Resolveu, então, seguir o trocador.

Terminado o expediente, o trocador pegou suas coisas e partiu em direção a uma loja de quinquilharias, dessas que vendem coisas a partir de R$ 1,99, bem no centro da cidade. A loja já estava fechando e, lá dentro, restava apenas um senhor oriental que reconheceu nosso trocador e fechou a porta da loja. O jornalista, que o estava esperando havia horas na garagem da empresa de ônibus e que o seguia desde lá, ficou estupefato ao ver que a loja tinha uma espécie de passagem secreta, por onde entraram os dois e de onde apenas o dono da loja saiu. Perdeu o trocador de vista.

Enquanto isso, a duas quadras dali, encontramos a senhorinha tomando chá na Colombo. Sim, a mesma senhora do ônibus, com suas várias sacolas e seu misterioso embrulho refeito. Neste momento, está lúcida e sorve cada gota do chá que toma acompanhado de uma torrada Petrópolis com bastante manteiga. Analisa quais serão seus próximos movimentos. Pensa que talvez fosse melhor fundir aquela espada e sumir com ela para sempre. Lembra-se claramente da primeira vez que a empunhou, de todo o seu treinamento em kung fu e da resistência que os monges tiverem a ela, tão loira e tão aparentemente frágil.

Essas lembranças, apagadas quase que completamente por sua doença, nunca foram levadas a sério na casa de repouso em que viveu por mais de 20 anos. Ninguém podia mesmo acreditar que ela fosse o que dizia ser: a musa inspiradora que fez Quentin Tarantino filmar “Kill Bill”. Sim, era ela a Noiva, em carne osso e sangue, muito sangue. Tanto sangue que os monges acabaram por botar seu melhor aprendiz em seu encalço, mas há anos não sabia dele. Ela, que já havia concluído sua vingança, acabou indo parar num asilo quando sua filha decidiu que não conseguiria lidar com o dia a dia do Alzheimer. No início, recebia visitas praticamente diárias, mas estas foram rareando e havia anos não tinha notícias da filha. Estava só no mundo. Um dia, as contas do asilo deixaram de ser pagas e, cruelmente, ela foi posta na rua. E isso, obviamente, não poderia ficar assim!

Esta aparentemente frágil senhorinha passou a viver em abrigos e a catar latinhas para conseguir algum dinheiro. Fez tricô, crochê... Tudo que estava a seu alcance. Precisava comprar uma nova espada. Não fazia ideia do que havia acontecido com a antiga... Provavelmente, foi vendida pela filha por qualquer ninharia. Esses jovens são assim! Não sabem dar valor às antiguidades... Mas qual não foi sua surpresa ao deparar justamente com a sua espada milenar, ceifadora de tantas vidas, numa cutelaria da rua da Carioca? E a preço de banana! Apenas porque havia acumulado, nesses anos, alguma sujeira... Nada que não pudesse ser resolvido com um bom polimento. Que achado! Comprou a espada no ato, à vista, sem dar bola para o vendedor boquiaberto que a atendia.

Estava ela absorta nessas considerações quando o trocador, de quem não tínhamos notícia desde que havia sumido na loja de quinquilharias, sentou-se à sua frente. Ela o reconheceu imediatamente e apenas perguntou se ele estava servido de chá. Ele, agora vestido a caráter, aceitou uma xícara e agradeceu. Um silêncio estabeleceu-se na mesa. Como entabular conversa com a pessoa que você tenta matar há mais de 20 anos? O que dizer para aquele que lhe jurou de morte? É possível conversar civilizadamente numa situação dessas?

O trocador disse, então, para quebrar o gelo: 

— Há quanto tempo! Você vem sempre aqui?

Ao que a senhorinha apenas sorriu e disse que não, que havia muito tempo que não tinha condições financeiras de frequentar a Colombo, mas que aquela era uma data especial, de tantos reencontros, e que merecia ser celebrada. Conversaram por horas a fio e ela lhe falou de sua trajetória e de seus planos para o futuro. Disse não se incomodar em morrer, especialmente pelas mãos dele, que já lhe estavam destinadas havia tanto tempo, mas que antes precisava se vingar mais uma vez e esperava ter sua colaboração...

— Posso contar com sua ajuda, não? Depois disso, eu lhe entrego minha espada e você poderá cortar minha cabeça e cumprir as ordens que recebeu dos monges do Templo Shaolin.

Acordo feito, só não sabiam que sua conversa estava sendo ouvida não muito distante dali. Em outra mesa, o jornalista, aquele que aparentemente havia perdido de vista o trocador na loja de quinquilharias, ouvia tranquilamente toda a combinação. Decidiu que já era hora de aparecer e pedir uma exclusiva aos dois. Como moeda de troca, ofereceria ajuda para que o trocador fugisse, terminado o serviço. Ajudaria, inclusive, na vingança da velha senhora. Valia tudo para ter aquela história fantástica em suas mãos! Então, dirigiu-se à mesa em que estavam os dois idosos, pediu licença e sentou.

Não levou muito tempo para convencê-los de suas intenções e logo trataram de arquitetar todo o plano. Levaram alguns dias para acertar todos os detalhes, porque a senhorinha tinha Alzheimer e sofria graves lapsos de memória, além de estar ligeiramente enferrujada no manuseio da espada. E o trocador, embora mais ágil, também não estava exatamente no auge de sua técnica... Mas logo ficou combinado que o trocador seria levado pelo jornalista, que diria ser seu sobrinho, ao asilo. Uma vez internado, ele iria identificar quem havia sido responsável pela expulsão da senhorinha. A principal suspeita era a diretora da instituição, que seria, então, capturada e levada à presença da senhorinha vingativa, que a degolaria num só golpe de espada. 

E assim transcorreu o plano, sem maiores problemas. O trocador descobriu que a filha, responsável pelo pagamento, havia morrido atropelada (por isso deixou de visitar a mãe, logicamente) e deixado todo o seu dinheiro para o asilo, sob a condição de que cuidassem de sua mãe até sua morte. Mas de nada lhe adiantou ser tão precavida, já que a megera da diretora, tão logo pôs as mãos na grana, botou a velhinha na rua. Ou seja, ela realmente merecia morrer. E morreu, pelas mãos da mesma senhorinha que chamava de maluquinha porque dizia lutar kung fu.

Mais uma vez vingada e sabendo que não havia sido abandonada por sua filha querida, nossa senhorinha ajoelha-se e entrega sua espada milenar ao seu carrasco. Não tem mais razão para viver e é com resignação que estica o pescoço para facilitar o serviço do trocador. Seus cabelos brancos estão enrolados num coque impecável, seu rosto está sereno, olhos fechados... Então, ouve um tiro.

Abre os olhos, confusa... O jornalista acertou o trocador bem no meio da testa, matando-o instantaneamente. A espada lhe cai das mãos, bem à sua frente. Ela a agarra e espera. Não faz a mais remota ideia do que está acontecendo. O jornalista cai de joelhos aos seus pés e entrega-lhe a arma. Ele, que teria idade para ser seu bisneto, lhe declara todo o seu amor. Diz que quer viver ao seu lado e cuidar dela até o fim, e que abandonará a revista em troca dos anos (que ele sabe poucos) que viverão juntos. Ela sorri marotamente e deixa entrever, por baixo do vestido recatado, uma sexy cinta-liga onde repousa uma pequena faca.

Eles, que haviam conseguido recuperar boa parte da herança deixada pela filha da senhorinha (porque a tonta da diretora não confiava em bancos e guardava tudo debaixo do colchão), partiram rumo ao Amazonas, onde ficaram navegando para cima e para baixo, como em “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez, livro de que ambos se descobriram fãs. Nos anos que se seguiram, entre muito amor e tédio, o jornalista aproveitou para fazer uma biografia de sua amada, que ele prometeu só publicar após a sua morte.




Não há limites para a imaginação.