Fico emocionada sempre que vejo trabalhadores reunidos em torno de um carro de som. Há dias, a caminho do trabalho, passo pela porta de um sindicato e percebo uma movimentação diferente. O carro de som chega, estaciona de modo a não bloquear a passagem dos carros e, pouco a pouco, mais e mais trabalhadores aparecem, como que por geração espontânea. A cada dia que passa tem sido mais difícil me desvencilhar de tanta gente. As calçadas ficam abarrotadas.
Pela primeira vez, vi alguém falando lá de cima. Geralmente, passo mais cedo, e só vejo a movimentação inicial. Dessa vez, pude ver as pessoas atentas ao que é dito ao microfone. No momento em que eu passava, faziam uma comparação entre os dias de hoje e a ditadura. Pelo que entendi, algo a ver com uma manifestação nos estaleiros de Niterói duramente reprimida pela polícia. Tal como ocorria nos “anos de chumbo”, utilizando as mesmas táticas de repressão. Algo injustificável, ainda mais nos dias de hoje, já que a greve é um direito dos trabalhadores. Direito conquistado com muita luta e muito sangue, mas que não é respeitado pelos patrões e, menos ainda, pela polícia.
Minha vontade foi parar ali no meio da massa para tentar compreender melhor, mas eu já estava atrasada. Gostei do pouco que ouvi, me pareceu uma fala bastante lúcida. Entretanto, não sei se pelo horário matutino, achei as pessoas quietas demais. Já entrando no prédio, o microfone mudou de mãos. Uma voz preocupada disse, então, com a concordância que caracteriza a modalidade popular de nossa língua: “A gente temos um problema, parece que a gente ainda não conseguimos uma resposta...” Peguei o elevador, feliz por saber que o povo ainda não abriu mão de falar. Subi, ouvindo os ecos dos trabalhadores na rua. Espero vê-los, quando sair. Que eles ainda estejam lá e eu os encontre mais descontraídos, como tem sido todas as noites. Sentados pelas calçadas, conversando e ouvindo as músicas que saem do carro de som. Simplesmente isso: ostensivamente existindo para quem passa.
2 comentários:
Bia,
Sei como é essa sensação que vc tem, mas o que mais me preocupa é o seguinte: toda a greve é válida? A cada dia que passa eu penso que não... Um exemplo simples: a última greve de professores queria melhores salários e melhores condições lembra-se (estou falando aqui da última no município, greves na UERJ eu já não sou mais contra, prefiro uma postura mais Michael Douglas)? Pois bem, curioso que sou, fui às ruas, cheguei perto daqueles que, reconhecidamente não eram os detentores do poder do movimento e perguntei: "Vc é professor?"; "Claro!"; "Tá, me responde: que melhores condições vocês querem?"; "Ei, eu te fiz uma pergunta, volta aqui..."
A situação se repetiu algumas vezes. Desculpe-me, mas eu já perdi, há muito, o brilho pelos diferentes movimentos e sabe por quê? Porque a maioria deles desconhece os próprios direitos que têm, somente conhecem o direito à greve e é porque lhes convém...
Sei que isso parece discurso de burguês, mas não me preocupo com isso...
Thomaz,
Entendo o que você quer dizer. Me sinto um pouco assim também... Não sei nem se a greve é um instrumento que ainda tem alguma força nos dias de hoje. Porém, não consigo evitar essa emoção de ver as pessoas nas ruas, de ver alguém gritando palavras de ordem (e de luta) de cima de um carro de som... Quando me dou conta, já estou tomada pela esperança e prestes a seguir a massa. É isso. Apenas. :-)
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